Isso vem ao encontro da visão de que a deficiência não está na pessoa. A deficiência está na relação entre a pessoa e o meio, na interação da pessoa com a sociedade em que vive, nas barreiras existentes. Ambiente acessível será aquele que acolhe, que contempla todas as facetas de acessibilidade desde a física e arquitetônica até a atitudinal. Ora, o escritor inglês iohn Donne já dizia “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo”. O ser humano é um ser social, desenvolve-se e aprende dia a dia, desde que nasce, por meio das relações que estabelece com outras pessoas.
Então garantir o acesso ao trabalho para a pessoa com deficiência não se limita a prever em lei um percentual mínimo de vagas em empresas. E o preenchimento da cota legal não exime a empresa do oferecimento de condições para que o trabalho se realize de forma digna. A previsão da cota legalnão significa que Estado e sociedade, por sua vez, já cumpriram seu papel A pessoa com deficiência é, antes de tudo, ser humano. Necessita de estímulos, motivação e auxílio tanto quanto pessoas sem deficiência. Não exige tratamento piedoso, porque solidariedade e cooperação não se confundem com caridade ou superproteção. Assim, para construirmos uma sociedade fraterna e sem preconceitos, em que a pessoa com deficiência é considerada em suas habilidades e vê sua vontade contemplada, a atitude da família e de cada cidadão é essencial e impactam no acesso ao trabalho.
E não menos importante é a atribuição do Estado, do Poder Público, que não se resume a elaboração de normas e ratificação de Convenções. Primordial que o Poder Público atue como verdadeiro promotor dos direitos que consagrou. Essa promoção pode se dar na implementação das normas existentes dentro do próprio aparelho estatal – por exemplo, cumprindo as cotas para inserção no serviço público, adaptando arquitetonicamente os prédios públicos e tomando amplo o acesso e uso dos dados, bens e serviços públicos – ou na adoção de políticas públicas e programas sociais que contemplem a acessibilidade das pessoas com deficiência em todas as suas dimensões.
Tomar um ambiente de trabalho acessível, nesse sentido, depende não só do empregador que oferece a oportunidade de trabalho, como do Estado e dos particulares, bem como da evolução da sociedade, no aspecto político, econômico, cultural, educacional e tecnológico.
Não nos esqueçamos que antes de adentrar o ambiente de trabalho a pessoa com deficiência deve acessar os informes de vagas, cadastros, deslocar-se para processos seletivos e concursos, conseguir comunicar-se nas seleções e provas, por exemplo. Para chegar nesta etapa precisará antes desenvolver suas competências, ter alcançado educação, transporte, saúde, ou seja, como se vê, o trabalho é um dos elos de direitos fundamentais que depende de todos os demais elos da corrente para se fortalecer.
Ao integrarem um ambiente de trabalho, afinal, vale para todos os trabalhadores o preceito da Constituição que garante um ambiente de trabalhoisento de riscos. É dever do empregador ou tomador dos serviços assegurar um ambiente de trabalho hígido, inclusivo, que permita a manutenção e promoção da saúde física e mental de seus trabalhadores, como fixado na Lei n° 8.213/91 e na CLT.
Se desejamos uma sociedade inclusiva não podemos fazer de conta que as diferenças não existem ou que os direitos consolidados bastam para que a igualdade e a justiça social sejam atingidas. Ao contrário, é Imperioso considerar e encarar a diferença na forma de nos relacionarmos, na família, na escola, no trabalho, no trânsito, em todas as demais esferas da vida.
A cada um de nós cabe apoiar, conviver e cooperar com pessoas com deficiência. São as atitudes que rompem barreiras, desmitificam e permitem o conhecimento mútuo para uma verdadeira interação social. A sociedade há de se transformar em vez de esperar que as leis a transformem. O Estado deve proteger e promover o bem-estar social e os empregadores precisam conscientizar-se e oferecerem oportunidades e meios da efetiva integração da pessoa com deficiência ao trabalho. No mundo contemporâneo a lei pode dar o tom, porém compete à sociedade compor a música e ao Poder Público assegurar os instrumentos para formação da orquestra
RENATA COELHO » Procuradora do Trabalho
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